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Sardinha abunda na costa portuguesa como não se via "há mais de 20 anos"

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Já desde o ano passado que a sardinha (Sardina pilchardus) abunda na costa. Foi o que os investigadores do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) viram na campanha anual de investigação (PELAGO21) que avalia a abundância e distribuição de peixes como a sardinha e o biqueirão, cobrindo a plataforma continental portuguesa e o Golfo de Cádis.

Esta primavera, a campanha teve lugar de 3 a 22 de março, a bordo do navio oceanográfico espanhol «Miguel Olivier». «Não via tanta sardinha desde 1999, que foi um ano espetacular», confirma Mário Galhardo, presidente da Barlapescas – Cooperativa dos Armadores de Pesca do Barlavento, mestre e dono da traineira «Mário Luís» que acompanhou a PELAGO21, entre os dias 7 e 12 de março, de Vila Real de Santo António ao Cabo Espichel.

Aliás, este pescador já fez esta campanha duas vezes com a sua embarcação e mais duas ou três no antigo navio português «Noruega».

«Estou sempre disponível para ajudar e para perceber o que existe. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, os pescadores não querem acabar com o peixe todo que está no mar. Desejam é que haja peixe no mar para trazerem para terra e ganharem a vida. A nossa preocupação é que haja sardinha e que o recurso seja muito bem gerido. E, também, que haja penalizações para quem cometer infrações», diz.

Na visão do mestre, haver muito peixe é uma coisa e a qualidade do mesmo é outra. Mas até neste ponto, o estudo mostrou resultados muito positivos.

«Da barra de Olhão para oeste, é tudo peixe grande. Encontrámos peixe pequeno entre Vila Real de Santo António e Olhão, mas havia três qualidades misturadas: miúdo, médio e grande. Em Odeceixe, também encontrámos peixe mais curto, misturado. Peixe grande e peixe médio, com cerca de dois anos», relata.

«Não houve lance nenhum em que não apanhasse duas ou três toneladas de sardinha. Tenho dois lances, um em Sagres e outro a norte de Sines, frente ao Pinheiro da Cruz, com mais de quarenta toneladas cada», contabiliza.

Mário Galhardo concorda que a imposição do defeso teve influência, mas defende que foram as condições atmosféricas e ambientais que mais contribuíram para este resultado.

«Nem os golfinhos, neste momento, as estão a chatear muito, porque as quantidades são tão grandes, que não necessitam de vir à costa alimentar-se. Os barcos que andam no amalho também encontram sardinhas com fartura na plataforma, a partir das oito, nove milhas, onde os golfinhos se alimentam».

E considera que, como resultado do stock elevado, as quotas de pesca poderão vir a aumentar na Península Ibérica.

«Devido à quantidade de sardinha e à recuperação que foi feita, as quotas devem ficar entre as 35 mil e as 45 mil toneladas (no ano passado, foram nove mil). Pessoalmente, defendo prolongar no tempo, sem aumentar muito as quotas diárias. Em 2020 era permitida a captura máxima diária de 3750 quilos. Para 2021, não devia aumentar muito, situando-se entre os 4000 e os 4500 quilos», diz o dirigente da Barlapescas.

No seu entender, a pescaria da sardinha deveria começar já no início de abril e acabar em novembro, fazendo o defeso em dezembro e janeiro.

Contudo, o norte do país, potência muito mais forte, só quer começar em maio, quando as sardinhas começam a aparecer com qualidade, prolongando a safra até dezembro.

A pergunta que se coloca, agora, é: haverá escoamento para tanta sardinha, a preços que compensem os pescadores?

«A sardinha, nos últimos anos, destinou-se essencialmente ao consumo em fresco», diz Mário Galhardo.

«Os grandes consumidores eram os turistas e a pandemia vai criar um problema grave, se eles não vierem. Sei que as fábricas estão com falta de matéria-prima e querem sardinha nossa, porque é melhor e proporciona melhor conserva. Mas é necessário começar já a trabalhar nesse sentido. Temos de garantir à industria conserveira que vamos entregar uma parte das capturas».

E poderá um aumento significativo da quota, baixar os valores médios de venda em lota? Até porque, por norma, a indústria conserveira paga um preço inferior ao do pescado para consumo em fresco.

«Na última reunião, a Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixes (ANIPC) garantiu a sardinha ao preço mínimo de um euro. Isto é um preço bom, porque quem apanhar quatro toneladas de sardinha, terá quatro mil euros. Ao fim da semana, são 20 mil euros e já dá para as tripulações ganharem dinheiro e as empresas sobreviverem. E, pelo que se vê no mar, não é difícil apanhar estas quantidades. Mas, depois, deverá haver um consenso. Não deixar de pôr peixe na lota para o consumo, mas também não deixar as fábricas sem peixe. Tem de ser resolvido com a Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco (ANOPCERCO), a ANIPC e a tutela. E, quanto mais cedo, melhor».

Os investigadores estão a analisar os resultados e pensa-se que, em meados de abril, estarão prontos para os apresentar. Só depois todos os interessados se poderão sentar à mesa e começar a discutir as linhas de ação. Até esse momento, continua a interdição total de apanha de sardinha.

E assim surge um problema grave, porque as embarcações de cerco que andam no mar têm grande dificuldade em trazer para venda outras espécies de pescado, como a cavala e o carapau, por causa da quantidade de sardinhas que andam misturadas com elas, alheias à lei em vigor.

«A pesca não pode parar», diz o armador e mestre. «Os barcos têm de apanhar cavalas ou carapaus, mas temos de encontrar um equilíbrio. Não queremos direcionar a pesca à sardinha, nos meses de defeso, mas encontrar um equilíbrio, em percentagem, na ordem dos 10 ou 15 por cento do total capturado, que possa trazer para terra. Essas sardinhas serão separadas e não podem ser vendidas em lota, mas podem seguir para a congelação, para o isco, porque isso também é muito importante. Este ano, não há isco para o polvo, nem para os aparelhos, nem para o peixe-espada preto, porque se um barco tiver o azar de trazer misturados sardinha e carapau, ou sardinha e cavala, está sujeito a ser autuado, porque não pode ter sardinhas a bordo. Tem de ser tudo bem estudado, para se conseguir um equilíbrio e um consenso e conseguirmos arranjar tripulações», conclui.

Olhãopesca recomenda cautela na oferta

Falta de mão de obra para o cerco As campanhas PELAGO fazem parte do Programa Nacional de Amostragem Biológica (PNAB) coordenado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e o seu financiamento é da responsabilidade do IPMA, da Comissão Europeia e do MAR2020. Os resultados são analisados internacionalmente no âmbito do ICES para fazer recomendações sobre as capturas admissíveis de sardinha e biqueirão. A campanha analisa os fatores ambientais que afetam a sobrevivência destes recursos. A informação contribui para a sustentabilidade da pesca do cerco.

Ouvido pelo «barlavento», Miguel Cardoso, dirigente da Olhãopesca – Organização de Produtores de Pesca do Algarve, confirma a boa saúde da sardinha  na costa. «Os resultados da campanha PELAG021 deverão ser apresentados na próxima reunião da comissão de acompanhamento» que deverá acontecer no dia 6 de abril.

Mas «as expectativas são muito positivas. Tendo em conta o que os armadores e os mestres têm vindo a observar, estamos em crer que haverá um ligeiro aumento da possibilidade de pesca da sardinha».

Em relação a preços e quantidades, Cardoso «para o consumo em fresco, considero que se deveria manter a captura máxima diária de 3750 quilos, tendo em conta a pandemia, a falta de turistas e o momento que a hotelaria e restauração atravessam. Enquanto se mantiver esta situação, penso que haverá mais oferta que procura e isso irá influenciar o preço. Agora no início da pescaria, durante o período em que a captura da sardinha é mais dirigida à indústria da transformação, creio que os limites diários devem ser mais reduzidos ainda».

Cardoso confirma que «temos notado que desde há dois anos a sardinha tem vindo a aumentar e penso que este é o ano do boom, da recuperação da espécie».

E porquê? «Na minha opinião, um dos grandes fatores que contribuiu foi, sem dúvida, o esforço do sector. Haverá também fatores ambientais que ajudaram, mas o controlo das capturas» foi decisivo. «Já andamos há anos a trabalhar desta forma em que os barcos só fazem pesca dirigida apenas durante quatro a seis meses por ano. Isto tem um grande impacto na disponibilidade do recurso. E não acabou, vamos continuar». No entanto, esta intermitência também tem um custo na falta de mão de obra. Neste aspeto o dirigente de Olhão concorda com o colega de Portimão.

«Sim. Porque todo este sacrifício que a pesca do cerco tem vindo a fazer em prol da recuperação do recurso tem impactes. É cada vez mais difícil encontrar marítimos disponíveis. Já existiam poucos e esta começa a ser uma atividade pouco atrativa. Uma traineira não consegue manter atividade regular, tem interrupções, mas as pessoas precisam trabalhar todo o ano. Por outro lado, há cada vez menos marítimos, este ano cerca de 3000 entregaram a cédula. Todos os anos há um declínio nos profissionais da pesca. Por isso, os armadores começam a procurar mão de obra estrangeira, sobretudo Indonésios. Os nacionais vão para outras atividades profissionais. Mesmo com a pandemia, «a pesca manteve-se a trabalhar, não criou nada de negativo. Os arrastos de fundo, que capturam crustáceos e peixe de maior valor, esses tiveram um impacto negativo superior ao resto da frota».

Falta mão de obra para o cerco

É difícil arranjar pessoal para trabalhar na pesca de cerco e os armadores recorrem, cada vez mais, à mão de obra indonésia. «Nos moldes como esta pesca está, parar seis meses por ano, nenhuma empresa consegue sobreviver e ter pessoal. Alguns pescadores no final da temporada vão para o fundo de desemprego, mas nem todos. Quem trabalhar seis meses no ano já não tem direito a essa prestação. Se houvesse construção, tal como no passado, já não andava cá ninguém. Temos de trabalhar no mínimo oito meses para manter as tripulações e as embarcações. Porque, se o barco for ao mar, por pouco que ganhem, os tripulantes levam sempre peixe para comer e as caldeiradas que ajudam o agregado familiar».

COVID-19 não parou a pesca

Os pescadores portugueses nunca pararam. Parou o cerco, mas as outras artes continuaram sempre. Segundo Mário Galhardo, dirigente da Barlapescas, «há que dar valor a essa gente e todos os pescadores já deveriam ter sido vacinados contra a COVID-19, porque trabalham todos os dias, com distanciamento zero. As traineiras não são navios, o alojamento é em beliches localizados debaixo da coberta e o trabalho é ombro a ombro.

Defeso deve continuar

O defeso é uma prática muito antiga na pesca da sardinha. Havia, contudo, quem quisesse pescar o ano inteiro e essa prática foi abandonada quando o recurso começou a escassear. Os pescadores do sul de Portugal defendem o período de defeso da sardinha em novembro e dezembro, altura da desova, quando o peixe fica magro e perde qualidade. Os homens do mar do norte, por outro lado, lutam pelo defeso em janeiro e fevereiro, porque as sardinhas desovam mais tarde e o peixe está gordo em novembro e, por vezes, dezembro. Também os espanhóis preferem janeiro e fevereiro. Já a Barlapescas sempre foi defensora da paragem, em novembro, dezembro e janeiro.

Novo plano de gestão na calha

A última reunião da Comissão de Acompanhamento da pesca da sardinha, órgão de consulta e de aconselhamento para a gestão da pescaria, e que integra representantes dos sectores da produção, da indústria de transformação (conservas e congelação), dos comerciantes, dos sindicatos, da Docapesca, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e das organizações não governamentais, aconteceu em meados de fevereiro. Durante o encontro, o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, considerou que a abundância de sardinha «representa ao mesmo tempo a segurança e a saúde dos ecossistemas marinhos, mas também a segurança da nossa economia e da nossa cultura». Para a tutela, o principal objetivo do Plano Plurianual de Gestão e Recuperação da Sardinha Ibérica 2018-2023 foi atingido e ultrapassado no ano passado. Agora, os governos de Portugal e de Espanha avançam com um novo plano com um período de vigência de cinco anos (2021-2026). Para este ano, o Ministério do Mar afirmou estar «empenhado em garantir que as possibilidades de captura de sardinha em 2021 correspondam aos anseios e ambições das comunidades piscatórias, assegurando a sustentabilidade do recurso para as gerações futuras, com base no melhor aconselhamento científico». A próxima reunião está marcada para terça-feira, dia 6 de abril.

Campanhas PELAGO


As campanhas PELAGO fazem parte do Programa Nacional de Amostragem Biológica (PNAB) coordenado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e o seu financiamento é da responsabilidade do IPMA, da Comissão Europeia e do MAR2020. Os resultados são analisados internacionalmente no âmbito do ICES para fazer recomendações sobre as capturas admissíveis de sardinha e biqueirão. A campanha analisa os fatores ambientais que afetam a sobrevivência destes recursos. A informação contribui para a sustentabilidade da pesca do cerco.

Fonte: Barlavento

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